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Através do seu olhar sobre um dos segmentos da Estrada Nacional 2 – entre Montemor-o-Novo e Castro Verde –, Nuno Cera procura sinais e símbolos das atividades que aí se cruzam. As suas imagens, num projeto desenvolvido em colaboração com O mais comprido museu do mundo / Pedro Campos Costa e Eduardo Costa Pinto, captam o tempo, o espírito-tempo do Lugar.
O Convento da Terra arranca assim com esta exposição a Open File N2, dedicada às imagens que a N2 possa ter inspirado e continua certamente a inspirar.
“Fiquei com o segmento entre Montemor-o-Novo e Castro Verde.
A minha família é de Aljustrel, por isso havia uma ligação emocional ao sítio.
A N2 passa mesmo por Aljustrel e essa foi talvez a razão pela qual eu fiquei com esse segmento.
Quando comecei a fotografar, o meu trabalho foi mais uma resposta aos estímulos visuais do que propriamente, ter uma teoria muito bem definida sobre o território. Comecei por fotografar as coisas que me interessavam.
No início, em Montemor, fotografei o castelo, achei importante haver um marco inicial, um ponto de partida.
(…)
O olhar, a visão não foi uma coisa definida, foi mais freestyle.
Interessava-me muito perceber o tempo daquele sítio.
O trabalho começa de manhã e acaba à noite, as fotografias mostram isso, quase como se fosse um guia.
Acaba com uma imagem de estrada à noite, sem um final muito marcado. Interessava-me que houvesse essa progressão como se fosse um guia da N2.
Interessava-me as marcas da tourada e dos posters.
São fotografias que não têm pessoas, mas que se percebe as atividades, o que acontece naquele espaço.
Na fotografia ao lado, percebe-se que aquele sobreiro ardeu, houve fogos que passaram por ali.
(…)
Para mim era importante marcar o início e depois a coisa ser mais fluida.
As fotos têm um lado quase melancólico, mas captam um pouco aquele tempo, parece-me.
Talvez se veja melhor no vídeo, mas este olhar para o território é também feito por diferentes escalas.
Tenho imagens mais gerais e depois quase pormenores.
Interessa-me esse jogo de escalas e de aproximação e recuo.
Achei que precisava de ter alguma coisa da relação da estrada com a paisagem.
No outro dia (a seguir ao dia do início da viagem) em que voltámos ao sítio de partida e fizemos o percurso novamente e fotografei, obviamente, outra coisas.
As últimas imagens são noturnas.
Não fotografei muito, mas interessava-me esta experiência da N2 à noite, mais David Lynch, outra atmosfera. Uma referência à estrada mais americana.
Já passaram quatro anos, mas acho que este trabalho ganha com a passagem do tempo, não é deste momento, é do passado.
Vemos as coisas de outra maneira.
Esse percurso da N2 não o voltei a fazer.
Não sei se há grandes alterações no território.
A título pessoal também foi um regresso à N2, uns meses antes tinha tido um acidente de mota na N2, por isso há ali umas imagens que marcam o sítio do meu acidente.
Uma ligação muito pessoal.
Uma coisa mais emocional de voltar a passar no sítio do acidente, fotografar e perceber o que tinha acontecido.
Foi uma coincidência, mas foi estranho.
Não foi um trabalho militar.
As fotos e os stills percebem-se que são coisas diferentes, tem uma origem diferente.
Ao fazer os dípticos, também me interessava as coisas que estavam quase entre as duas imagens.
Essa ideia, o que está entre o que liga ou não liga às duas imagens, até é mais interessante do que propriamente o que está representado em cada uma delas.”
Excerto da entrevista a Nuno Cera, O Mais Comprido Museu do Mundo, Associação Antecâmara 2023.