Gesto a muitas mãos

FORTUNAS

Nicolas Havette

Imagem | Fotografia | Pintura | Colaboração | Interação | Mural | Identidade | Vila

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Pintura colaborativa
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Pintura colaborativa
Um retrato caleidoscópico da Vila do Torrão, desenhado pelo artista com a colaboração ativa de moradores e vizinhos de todas as idades.

Durante uma estadia de quinze dias, Nicolas Havette orquestra e dirige um colorido desenho de grandes dimensões, testemunho da identidade da vila, vista e desenhada pelos seus próprios habitantes. Utilizando arquivos gráficos locais e fotos tiradas durante oficinas de fotografia, o artista e colaboradores expõem as suas experiências e memórias do Torrão, que desenham e reinterpretam, a giz e pastel, sobre as imagens originais projetadas. Desse cruzar e sobrepôr de gestos, linhas, cores, a tempos e velocidades diferentes, nasce uma pintura mural, labor em devir, arte colaborativa. 

No Torrão, o artista dedicou os primeiros dias a conhecer a vila e as suas pessoas, pelas ruas, em cafés e restaurantes, e em visitas preparadas pela equipa TARS a locais como o Agrupamento de Escolas do Torrão, a Sociedade Agrícola do Torrão e a Junta de Freguesia. Havette recolheu histórias e imagens fotográficas, imaginário esse depois transportado para o espaço de trabalho, o AQUI. A TARS promoveu ainda um encontro do artista com estudantes do Agrupamento de Escolas do Alvito, durante o qual as crianças brincaram, plantaram e tiraram retratos no Parque dos Encontros.

 

Através de projeções nas paredes móveis, as imagens recolhidas neste processo tornaram-se base para os desenhos dos participantes, que por sua vez acrescentaram o seu próprio repertório fotográfico, ajudando a desenvolver um ´álbum’ coletivo, a que o artista foi dando equilíbrio cromático. O artista contou com a presença diária no AQUI de entre 5 a 10 pessoas, com idades dos 10 aos 80 anos.

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O título deste projeto a longo termo é FORTUNAS: polissemia que pode designar ao mesmo tempo sorte, azar e abundância. Para Nicolas Havette, o valor de qualquer objeto, de qualquer lugar, de qualquer criação reside principalmente na experiência em cada um de nós despoletada – mais do que no valor mercantil que lhe possa ser atribuído. Uma coisa é certa, são ricas estas obras, transbordantes. A sorte? Essa nasce do encontro provocado pelos outros. O Outro, aquele que nos convida a segui-lo na sua aventura artística, sem limite de idade, de género, de sexo, o outro em toda a complexidade dos limites humanos. 

 

O artista gosta de fazer o paralelo deste processo de camadas sucessivas com o do funcionamento da nossa memória. Esta acumula informações, que depois se misturam com as novidades que chegam. Nesta somatização dos detalhes, nascem representações mentais dos lugares. É uma empresa complexa de construção intelectual permanente que corre atrás do real: fabricar uma história comum a par de identidades partilhadas. O resultado é transbordante de energia, evocando por vezes um alegre Basquiat – street-art e primitivismo em vizinhança complexa e polifónica, subitamente reunidos pela graça da arte.

Como já aconteceu noutros espaços onde expôs, residiu ou laborou, Havette recorreu no Torrão, para o florir desta nova FORTUNA, tanto a grupos organizados – os já referidos alunos das escolas local e do Alvito –, como a encontros fortuitos e às redes sociais para convocar as pessoas para vir desenhar com ele. Em paralelo aos mergulhos nos arquivos locais, convidou esses outros a trazer imagens tiradas com os seus telefones portáteis. O conjunto de imagens reunidas e tratadas em workshop de fotografia torna-se assim corpus, matéria primeira carregada de experiências partilhadas. O princípio é simples, o resultado um deleite. 

 

No espaço expositivo, mergulhado na penumbra, o suporte da obra são painéis pintados de negro mate. Quando chega cada momento de projetar as imagens, através de vídeo-projetores, a magia da luz chega às paredes: as fotografias são então «decalcadas» a giz ou pastéis, pelas mãos dos participantes. Lentamente, estes vão adicionando traços e as imagens sobrepõem-se. Assim que certas zonas se tornam saturadas, o artista orquestra, corrige, completa, apaga tudo ou parte, ajusta cores e depois guia de novo os participantes a recobrir as zonas deixadas livres por esquecimento voluntário. Pouco a pouco, a obra assim se expande, com e sem ele. Uns ali passam alguns minutos num breve desenhar, outros dão tempo a algo de mais finalizado. Com o passar dos dias, o painel acumula gestos e traços.

 

A partir desta espécie de fresco híbrido, à vez pintura e performance, Havette realiza uma reportagem e vai registando em fotografia os detalhes da obra, à medida que estes simultaneamente aparecem e desaparecem. O processo é infinito, o estatuto das fotos saltita entre a obra de arte e o documento de trabalho. A partir das imagens dos frescos originais, Havette vai fazendo recomposições e aportando um olhar pessoal aos momentos coletivos – o seu enquadramento autoral. Assim reconta, uma vez mais, a mesma história, de uma outra maneira.

 

Na linha dos grandes movimentos de investigação impressionistas ou cubistas, na decomposição e recomposição do tempo e do espaço, Havette propõe-se neste seu labor ultrapassar a perspetiva euclidiana, fundamento da representação fotográfica antropocentrada. É sua intenção fazer nascer uma perspetiva participativa, à imagem da complexidade do mundo, do universo heterogéneo onde vivem os seres humanos – livres de não olhar todos na mesma direção. No Torrão, concluída a residência, o afortunado mural seria batizado pelo artista: AQUI NASCEU O POETA.

 

Para o curador Mário Câmara Caeiro, o projeto aborda “a imagem transmutada em apropriação performativa do espaço-tempo do encontro. Um circuito relacional em várias fases desvela-se experiência da criação, da co-criação, da identidade e dos limites que num desenho-pintura-projeção-painel se vão definindo em prol de uma dinâmica imagem do coletivo e do lugar. Em diálogo e em aberto (pois que a pintura, na sua poderosa fragilidade, pode e vai ser continuada… alterada). Algo de intemporal no próprio mecanismo do registo fotográfico porém permanece, paradoxalmente traduzido por via da interação in situ, entre as dezenas de participantes. A noção de palimpsesto é assim orquestrada. Ao final, a experiência é a da fortuna da abundância.”

 

Fotos © Nicolas Havette

2024 | 01

Curadoria: Mário Câmara Caeiro | Equipa TARS: Vasco Braga | Filipa de Assis | Francisco Quelhas

Agradecimentos: Agrupamento de Escolas do Torrão | Agrupamento de Escolas do Alvito

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